segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Tchau, amor

Talvez eu assuma meu blefe
Talvez eu rasgue o baralho
Pare com a bebida 
Perdoe minha tristeza
E caia na chuva
Pegue aquela curva
Que vai dar sabe-se onde

Talvez eu te telefone
No meio da noite
E gagueje clichês 
E volte a sofrer

Talvez eu volte pros setenta
Pros chás, ervas e fungos
Talvez eu aprenda clarinete

Talvez eu caia fora
Pruma noitada de jazz sem volta

Talvez eu quebre todos os meus discos de blues
E rasgue toneladas de livros malditos
(pouco provável)

Talvez eu passe a frequentar festas chatas
E sorria simpático
Pra amebas em trajes da moda

Talvez eu assalte um banco
E vá viver no México
Talvez eu me candidate a vereador
(Não, isso nunca!)

Talvez eu faça uma merda
Maior que as anteriores
E vá parar na cadeia, num hospício
Numa igreja

Talvez Jesus toque meu coração 
Como eles dizem por aí

Talvez eu siga por toda a eternidade
Sempre trocando
Uma fuga por outra
Um vício por outro
Um copo por outro

Talvez eu encha a cara e escreva
Mais um romance
Ou mergulhe noutra noia qualquer
Talvez eu volte
Aos trash-metal oitentistas
Destilados baratos
E comprimidos de anfetamina

Talvez essa noite 
Me lembre
Duma antiga oração infantil
Sobre anjos e sonhos bons

Talvez eu quisesse acreditar
Na merda toda

Talvez eu continue
Como o cacto no vasinho
Em cima da geladeira

Talvez
(é bem provável)
Eu só esqueça o AMOR.

Do livro: NUM DÁ PRA APAGAR OS RISCOS DUM DISCO FURADO
BAR editora, 2014

Um comentário: