sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Gabriela, uma sombra sob a luz

Um dos primeiros contos que eu escrevi, tá no meu "soneto em mim menor para copos e cinzeiros", disponível pra quem for afim.

BAR editora
pocket 40 páginas
5 pila (+ frete)

Gabriela, uma sombra sob a luz

            Um mês depois que Gabriela foi embora, coloquei numa mochila, duas calças, umas camisetas, escova de dente, alguns livros e meia garrafa de vodka. Eu precisava ir para qualquer lugar, num tava fugindo, nem abandonando tudo, só precisava ir pra algum lugar. Na rodoviária comprei 3 coxinhas e um suco de laranja que misturei com um pouco da vodka, eu tinha algum dinheiro que havia conseguido vendendo poesias num congresso universitário. Peguei o ônibus que ia pra São Paulo. Sentado confortavelmente naquelas poltronas macias eu num pensava em nada. Rodávamos e eu já nem sabia em que cidade estávamos, parávamos em todas as rodoviárias e numa delas resolvi descer pra comprar mais coxinhas e suco de laranja. A primeira coisa que avistei foi um hotel decadente, aparência horrível, era lá que eu queria ficar. Não voltei mais pro ônibus, da recepção eu o vi partir sem mim, acho que nem sentiram a minha falta. Paguei uma diária, o que me dava direito a permanecer 24 horas naquela espelunca, “Café da manhã e tudo.” dizia o rapaz magricela atrás  do balcão “E nada de levar mulher pro quarto!” eu não entendi, as putas entravam e saiam dos quartos dos hospedes, gritavam, ofereciam cocaína “Déizão o papel fíh!”. Mas tudo bem, o negócio é que eu já tava longe de tudo que me lembrava Gabriela, num sentia mais o seu cheiro no ar, aquele hotel cheirava mijo, as paredes de madeira  lhe davam um aspecto duma enorme latrina fedorenta. Era perfeito. Já tava anoitecendo, peguei a chave e subi pro meu quarto, 504. Fiquei olhando o movimento da rua pela janela, tomando o que restava da vodka. Dois travestis deram uma surra num garoto que passou de bicicleta e cuspiu na cara de um deles numa outra ocasião, naquele momento tava de bobeira achando que não seria reconhecido. Ele chorava, pedia perdão, disse que tudo tinha sido uma aposta que fizera com uns amigos, o cuspe não era pra ofender, era apenas parte duma aposta. Coitado, apanhou feito Cristo. Fiquei observando sem fazer julgamento algum, sem concordar nem discordar, apenas observando. Algumas garotas que faziam ponto por ali eram realmente bonitas, eu gostava das putas, faziam o seu trabalho dignamente nos deixando cientes desde o começo qual o preço deveríamos pagar. Amar é mais difícil, nunca sabemos que preço pagaremos no final das contas, algumas vezes são muito altos. Eu pagava o meu preço. Permaneci ali por um longo tempo, bebendo devagar, então resolvi me deitar e ler uma pouco. “Mulheres” do Bukowski, naquela hora eu queria ser como Henry Chinaski, me fazer de durão, trazer uma daquelas garotas lá de baixo, beber com elas e fudê-las o resto da noite, sem nenhum tipo de sentimento. Mas não, eu num era Henry Chinaski e nem ele era assim, éramos homens sozinhos, bebendo sozinhos, Chinaski e eu.
            Naquela noite não consegui dormir, levantei-me, ainda tava escuro, abri a porta e o rangido da maçaneta enferrujada causou-me uma estranha sensação, uma espécie de deja-vu desfigurado, acompanhado de um cheiro familiar, mas identificável. Caminhei pelo corredor vazio, aqueles quadros antigos causavam-me náusea, junto ao som dos passos no piso podre de madeira sob o carpete quase mofo. No banheiro o espelho rachado me dividia ao meio, a água fria molhava o rosto, pingava o chão marcado de pés. Na privada escorria minha urina sobre a bosta amanhecida, desfacelando-a, partindo-a ao meio. Dei descarga e a vi girando, girando, entrando pelo cano, pedaço por pedaço, só restando migalhas e a água escura: restos, assim como meu amor. Não tive coragem de puxar novamente a cordinha... eu ainda amava.
            Caminhei até a rodoviária e comprei mais 3 coxinhas, não voltei mais pro hotel, comprei passagem no ônibus que me levasse de volta pra casa. Não ia adiantar ficar ali, Gabriela estava em todo lugar.

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