Lembrei desse trecho do "GATOS NO CIO NÃO PEDEM PERDÃO", aproveitando a deixa, pra quem for afim de segurar um exemplar, ainda tenho alguns, tão acabando, num sei quando sai a próxima edição.
"Madrugada passada reli o “Misto Quente” do Bukowski, cê por acaso conhece Charles Bukowski? Já ouviu falar pelo menos? Brincadeira brother. É que lembrei duma cena que rolou esses tempos, vou te contar pra você não me achar um cuzão prepotente metido a intelectual semi-maldito. Eu tava trabalhando – de novo volto a ter a sensação de que tô trabalhando quando boto os livros embaixo do braço e saio por aí – entrei num bar de playba, já daquele jeito, desejando ter uma metranca ao invés de livros pra oferecer-lhes, não é por nada, mas esse bar é normalmente freqüentado pelos seres mais repugnantes do universo pequeno burguês, não que eu tenha exatamente algo contra um cara morar numa casa bacana e bem equipada, ter freqüentado boas escolas e rodar por aí com um BMW tipo Sport novinho, enquanto eu moro numa kitnet minúscula e úmida, reprovei na oitava série da escola pública do meu bairro e ando de bike por aí congestionando o trânsito, nada disso, o que eu sou contra é uns imbecis do naipe dos que batem cartão nesse bar, arrotando clichês dos mais batidos e por uma sincera amizade recém surgida entre “nós”, se acharem no direito de me surpreender com seus intrometidos conselhos imperativos, isso é que me torra o saco, fiquei até um tempo sem nem passar em frente desse bar, mas nesse dia eu precisava de grana pra pagar a conta de energia e comprar um livro do Mário Bortolotto, já tinha rodado por todo lado e só conseguido parte da grana, o dito cujo bar era a última cartada, lá sempre rolou legal, muitas vezes consegui ali mais que a soma do saldo de todos os bares juntos, afinal, dinheiro num é problema praquelas antas e eles também lêem, são do tipo leitor ignorante, que lê de tudo, os clássicos – com certeza – e o que tiver pegando de novo no momento, são freqüentadores assíduos de livrarias-cafés, alguns escolhem os livros pela qualidade do papel ou número de páginas, colecionam obras raras e edições luxuosas de russos malucos, muitas vezes no original, muitos transitam pela filosofia e citam Nietzsche na mesa do bar e Shopenhauer, Spinoza, Kant, Descartes e sabichões, mas os pulhas não captam nada, não sentem porra nenhuma quando lêem a última frase de um Hemingway, não são cometidos por uma vontade efêmera de esconder as facas da cozinha antes de abrir um Dostoievski que ficou ali pela metade porque o envolvimento tava demais. Esses caras lêem de olho na numeração das páginas, com o tédio de quem não se vê retratado nas mesmas. Enfim. Os caras são mesmo tudo isso e além do mais são chatos pra caralho. Volto a repetir, não tenho nada contra ter dinheiro, afinal eu tava ali atrás disso, sei que tem um monte de burguês-cabeça-aberta, que entendem que tudo que têm, só têm por que outros não podem ter e por isso não se acham uns bostas superiores, já encontrei vários por aí, mas não nesse bar, nem um único dia sequer. Deu vontade de te falar sobre os bares por onde passo e os tipos de freqüentadores de cada um deles, com o tempo fui conhecendo cada um, eles se modificam um pouco nos diferentes dias da semana, mas não muito, deixa pra lá. O negócio é que nessa noite eu cheguei nesse bar daquele jeito, pensando em procurar um emprego na manhã seguinte, aquilo não era um trabalho, era uma tortura. O lugar tava lotado, cheirando perfume francês – sei lá que cheiro tem perfume francês, mas digamos que fosse francês – cigarros mentolados e batata frita aos cinco queijos, eles tão sempre comendo essas batatas, com certeza deliciosas. Tinha um cara de óculos escuros sentado na primeira mesa em posse duma garrafa de Green Label, cheguei e me apresentei, falei que era escritor e tava divulgando meu trabalho, sempre falo a mesma coisa pra todo mundo, tenho o texto decorado e só vario a tonalidade e o volume da voz dependendo da situação, pra esse sujeito falei sem qualquer empolgação, não sabia se ele tava me olhando por trás dos óculos escuros, quase parei no meio da segunda frase e fui pra outra mesa, devia mesmo ter feito isso, mas não sei porque fiquei até o ponto final “Então tu é escritor?” perguntou num tom meio malandrão de condomínio, me poupou duma resposta sem pensar quando não esperou por ela e continuou “Deixa eu analisar o
material.” joguei um na mão dele pensando em granadas sem pino. Ficou lá analisando por uma cacetada de tempo, o que não me incomodou, pois uma loirinha de óculos de aros grossos deslizando no narizinho pontudo de deusa grega me olhava, passava a língua entre os lábios rosados, um olhar de desejo, ela tava afim de dar pra mim, a gente sempre sabe quando uma mulher tá afim de dar pra gente, muitas vezes fantasiamos, mas é só por diversão, pra ter uma musa pra punheta antes de dormir, mas quando uma mulher tá afim de verdade de dar pra gente, a gente sempre sabe e aquela tava afim, era minha próxima mesa, ela até virou a cadeira pra ficar de frente pro escritor fodão, era assim que eu tava me sentindo, cruzou e descruzou as pernas algumas vezes, tava vestindo uma saia preta, bem justa, pouco acima dos joelhos, uma blusinha bem decotada de alças, também preta, tinha uma tatuagem cheia de cor no ombro esquerdo, não deu pra ver o que era, um medalhão tipo medieval pendurado num cordão de cobre balançava entre o vão de seus seios fartos, os cabelos cor de ouro até os ombros também balançavam quando um vento vindo sei lá de onde tocavam neles e tava usando umas botas pretas invocadas que lhe caiam muito bem. Eu já tava imaginando a gente num motelzinho 5 estrelas, eu chupando sua bucetinha rosa, ouvindo seus gemidos de prazer, louca pra chupar meu pau e a gente ia fuder a noite inteira e tomar um banho na banheira de hidromassagem e ela ia me dar o cu e o babaca de óculos escuros me vem com essa, com o mesmo tom de malandrão de condomínio falando com o porteiro “É seu primeiro livro, né meu querido.” Não, é o quinto meu querido, respondi mas ele não ouviu, desviou a atenção pra bunda duma garçonete que passou carregando uma bandeja de batatas fritas aos cinco queijos “Mulheres meu querido, se quer ganhar dinheiro como escritor escreva sobre as mulheres, escreva bem sobre as mulheres e se tornará um homem rico.” era só o que faltava, ele prosseguiu, “Notei que tu cita Charles Bukowski, o que tu já leu de Charles Bukowski? Já leu algum livro inteiro, até o fim?” estufou o peito pra falar essa merda, levantou a voz me apontando os dedos indicador e médio enquanto o polegar mirava o teto, era mais do que eu podia suportar, tomei o livro da sua mão, soltei um vai se fudê de dentes cerrados e caminhei uns quarenta passos bar afora, parei na esquina e acendi um cigarro, tava tremendo, traguei nervoso. Que filho da puta, por algum motivo que até hoje desconheço aquele não era só mais um filho da puta, eu tava enxergando escuro, o coração querendo sair pela boca, nunca me senti assim antes, acho que era aquele negócio tipo TPM. Que filho da puta, eu não parava de pensar, fiquei ali parado na esquina uma cacetada de tempo, quando me dei conta tava caminhando de volta pro bar, me perguntando: Porra cara, que cê vai fazer? Vou estourar os bagos desse filho da puta. Para com isso brother, vai pra casa, isso vai dar merda. Vou estourar os bagos desse filho da puta. Pensa melhor, cê tá nervoso atôa, deixa essa porra pra lá. Vou estourar os bagos desse filho da puta, enfiar a cabeça dele na privada e cuspir na sua cara nojenta de playba arrogante. Sinceramente, queria me sentir assim mais vezes e ter umas metrancas e umas granadas, mas nunca mais aconteceu. Sinto que naquela hora eu podia levantar carros, derrubar prédios, eu podia matar. Entrei na porra do bar e fui direto na primeira mesa, o filho da puta não tava mais ali, devia tá no banheiro, o que facilitaria meu trabalho de estourar seus bagos, socar sua cabeça na privada e cuspir de nojo daquele cheiro de mijo sobre gelo e rodelas de limão, bem na sua cara de playba maldito. Chutei todas as portas e ele também não tava, voltei pra fora e sinto que já podia derrubar aviões e viadutos, eu queria matar, mas o desgraçado filho da puta tinha evaporado.
Terminei aquela noite num butequinho de quinta, ouvindo tiozinhos cantarem suas tristezas acompanhados duma viola de doze cordas e uma sanfona, bebi pinga e fiquei bêbado, nem sei como cheguei em casa.
Em meio a ressaca brutal do outro dia foi que me lembrei da loirinha que tava afim de dar pra mim e eu não comi porque tava possuído pela ira e desejo de morte, eu sou um babaca, a cada dia que passa tenho mais certeza disso, sou tão babaca que nesse mesmo dia fui lá e comprei o livro do Bortolotto e um maço de velas, essa noite foi bem mais tranqüila e o clima foi de paz.
Puta merda, depois te falo do “Misto Quente”. Viajei."
GATOS NO CIO NÃO PEDEM PERDÃO
127 páginas
BAR editora
$20 pila
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