sábado, 17 de março de 2012

Nada

Ela deita no meu colchão no chão e eu penso em algo que possa agradá-la, mas não vem nada, há dois anos atrás eu não pensava nessas coisas, a gente só existia e sorria e trepava e reclamava um pouco do mundo lá fora ouvindo Charlie Parker, fumando cigarros e baseados e nada mais importava. É tão triste quanto bonito, ela ali, deitada no meu colchão no chão. Termino a confecção do baseado, como nos velhos tempos, acendo, coloco um blues e deito do seu lado e ela fala de gatos e cachorros abandonados nas ruas e é exatamente assim que eu me sinto, um vira-lata carente, farejando seu perfume, de pau duro. Passo a bola e ela fala sobre alguma merda que viu na TV, em outros tempos a gente gastaria uns minutos reclamando, nem isso mais, só ouço e lembro de quando a gente era mais que amigos deitados num mesmo colchão. Penso em algo que possa agradá-la, não vem nada. Fico calado, ouvindo ela falar, entendendo tudo, da mesma forma que entendo a letra do blues, quer dizer, só vou sentindo a parada toda, cada palavra desconhecida, cada nota e o baseado tá na ponta e meu coração fica estranho, chapado, descompassado, como quem pretende, sem sucesso, criar algum tipo de rima Há dois anos atrás... porra, há dois anos atrás a gente  saia por aí, de cabeça feita, meio hippies, meio beats, sem bad trips e a gente trepava na rua só pela aventura, pelo tesão do momento, o mundo era pequeno pra nós, a gente queria sempre mais sem pensar em nada, pensar era perca de tempo, a noite era pequena demais, a gente via o sol nascer. Ela continua falando qualquer coisa, eu já não consigo identificar palavra alguma, fico só sacando a forma como sua boca se movimenta, seus olhos espertos, verdes, vermelhos, acendo um cigarro. Há dois anos atrás acendíamos cigarros depois de trepar pra então treparmos de novo e de novo acendíamos novos cigarros e tudo era novo. Trago odiando a fumaça e o rumo que nossas vidas tomaram, penso em algo que possa agradá-la, não vem nada. Não somos mais nada. Ela vai embora.

Um comentário: