quarta-feira, 4 de junho de 2014

A solidão é um trem soterrado sob concretos e mágoas


Sozinho. atravessando dias estranhos onde qualquer resquício de pessimismo é só vaidade dum coroa precoce pretendendo-se adolescente. teus antigos heróis da rua de baixo afogando-se em álcool na tua memória de galinha urbana. a última vez que morre a esperança. o fim do romantismo. Sozinho. teus amigos cansados e casados demais. Sozinho. dando bobeira, deixando que trens em movimento lhe ralem a cara e cinicamente te façam rezar, molhar os olhos com lágrimas reprimidas há anos. Sozinho. queimando roupas com brasas de cigarro, cortinas e panos de prato. Perdendo. tuas ultimas moedas no ralo da pia entupida. Sozinho. desperdiçando no tapete últimos goles de cerveja. Perdendo aquele livro de haicais subversivos no banco do busão. Sozinho. perdendo empregos, possíveis fodas e afins. perdendo a paz. Sozinho. com teus poemas ruins e toda a vergonha que um dia cê estampou na cara. tua coleção de fotos sépias de dias bons. Sozinho. ao redor duma lata de lixo em chamas. xamanicamente patético, sem um misero trago de misericórdia.
Perdendo
Sozinho
aquele camarada inalando pó, sem tempo pra cervejas e conversas atôa.
nem teu gato te faz mais companhia, resolveu dar mais trabalho que teu grande ex-amor.

aliás,
os resquícios
e as memórias
até o álcool
e a esperança
a rua heroica
e toda tua cara ralada
as moedas
e as fodas
os nacos de pó
as cervejas e as conversas...
é culpa de quem te desbandeirou
te fez trocar de Deus

emoções semelhantes a tua primeira comunhão caindo em noitadas de jazz, riscando vinils mais antigos que tua avó remotamente morta. Forjando discalculias matematicamente em desuso-social, tentando te ensinar adições e subtrações, multiplicar pra dividir com o próximo.
tua família, teus vizinhos evangélicos e as FMs locais.
os guris chutando bola, estilhaçando tua paciência e vidraças.
gurias de 15 tramando te meter na cadeia, fazendo o possível pra que tua mãe te amaldiçoe e teu pai nunca mais beba com você
em momentos cruciais
cê nunca sabe quanto é 8vezes7.

pedaços de pau
ferragens e quilos de cal
te fazendo velejar
nesse mar de choro
entre trovões de soluços
povoados de muros e murros.

tua cara de babaca esperando que a chuva passe na quarta-feira e cê ainda tenha um emprego, que as oito contas de energia possam ser quitadas, que os tocos de vela durem a noite inteira. Tentando se convencer que tudo não passa duma espécie de azar, uma fase ruim, apenas maus momentos, bocados de lixos,
cachorro chutado pra fora da missa das seis.

Um caga-regras escalado pra te ensinar a comungar com a falta, lavar a velha camisa xadrez, três doses de acordes, três horas depois e a poltrona submersa, teu cu-de-ferro, tua vida ferrada vezes três
Trens
Socos
Sopros
Vidas morrendo
Amores doentes
E deuses profanando adeus

Teus castelos de guimbas fudidas. Teus quadros tortos na parede rachada. Tua desgraça esperando na esquina. teu lençol furado cheirando a cigarros. Fumaça cravada no teto, tuas palavras longas de baixo calão. Tua solidão.
Trilhos
Concretos
Cacos e nacos de nada
Tua carteira de trabalho e previdência social em branco
Restos
Migalhas do que sobrou
Tua inadimplência
Teus votos nulos
E filmes Bs
Tuas costas curvas
Teu pau ignorado
A geladeira estragada
O gato que que não sai do telhado
Tuas perguntas ao pó
Tua bíblia smoking-hemp
Tuas paranoias pós-neandertais

Lembranças de dias bons que te fazem tão mal.
Às 3 da tarde tá escuro lá fora e o carteiro foge de você, o lixeiro ignora tuas sacolas, o vendedor de panelas te acha tão magro, os mórmons te acham triste demais

um Office-boy pedala tranquilo, na rua de trás
Dias bons

Nunca mais
caminhadas atoa
Parques de diversão
doses no bar da esquina
punhetas pra filha da vizinha
palmas no portão

faz tempo que não chove. Meio que tanto faz, cê anda cagando pros meteorologistas e companhia. Fez uma casinha pro gato com a antena da TV, ele odiou. Quase chorou quando soube que um cara morreu ontem a noite na linha do trem. pisou na merda. Resolveu recolher as sacolas que os lixeiros não levaram, construiu uma barricada e armou tocaia pro carteiro, meteu-lhe três ovos na fuça. Nunca mais almoçou.

Anda triste pra caralho
Da sala pra cozinha
Tem um buraco no chão

Quebrou três discos
Queimou seis livros
Rabiscou nove cartas pra queimar depois

Riscou um palito de fósforos dentro da própria caixa e quase sorriu
suicídio é uma questão de vocação.
O sofrimento também
Quer ser feliz

Atende o telefone
Bela porcaria as considerações dela em momentos de crise
seus num-sei-o-que
suas novidades recém descobertas,
seus tudo-bem
boa noite,
sonhe com os anjos.

Eternamente amigos nunca mais
Até que a morte vos carregue
Felizes-pra-sempre

Ela, indiferente a tua tristeza, desfruta de vitrines e gôndolas fashions. Reserva vôos turísticos pro fim de semana, pros próximos feriados prolongados que nunca duram o suficiente.

Ela nunca vai dar o braço
pra você torcer.


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