quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Ele entra na casa em trajes sociais, troca de roupa, coloca um disco na vitrola e uns fones de ouvido. Um jazz começa a tocar, ele acende uma ponta. Viaja.

Ela entra, fica um tempo sacando o cara viajar. Tira os fones do ouvido dele.

Ela – Cê num falou que ia arrumar um emprego e fazer uma faxina nesse chiqueiro? Porra, tô cansada meu, cansada de chegar em casa todo dia e te encontrar aí folgadão, chapadão. Não agüento mais.

Ele – Num tive tempo pra faxina.

Ela – Ah, sei como é, cê tinha muitos baseados pra fumar.

Ele – Cê tá sendo injusta.

Ela – Injusta é o caralho! Qualquer um pode arrumar um emprego, porra!

Ele – Eu tô ligado.

Ela – Cê tá ligado merda nenhuma, cê é o mó folgado, cara. Mas aí, eu num sou otária, num vou ficar sustentando vagabundo.

Ele – Que merda cê tá falando? Desde quando eu sou sustentado por você?

Ela – Desde quando cê perdeu o emprego.

Ele – E a grana do acerto e o ultimo salário, e as cinco parcelas do seguro desemprego?

Ela – Cadê?

Ele – Foi pro aluguel, baby, pras contas de energia, pras nossas pizzas, pras nossas bebidas, praquele exemplar caro da História da Filosofia que cê comprou. Além do mais, até a semana passada cê não tinha emprego algum.

Ela – Vai ficar jogando na cara? Eu sabia, tem sempre algo em troca, ninguém faz nada de graça.

Ele – Qual o problema, baby? Num tô te entendendo.

Pausa longa

Ela – Você! Você é o problema! Eu vou embora, você que se foda.

Ele – Pra onde?

Ela – Não é da sua conta.

Ele – Caralho, era só o que faltava. Fazia tempo que cê num pirava.

Ela – Tô há tempo demais aturando suas mentiras.

Ele – Você tá maluca.

Ela – Ah, eu? Eu tô maluca, ou você disse que ia arrumar um emprego e dar uma geral nesse chiqueiro?

Ele – Já te falei, não tive tempo pra faxina.

Ela(histérica) E o emprego?!

Ele – Eu consegui o emprego. (coloca os fones no ouvido, o mesmo jazz do início da cena)

Pausa Longa
Ela tira o fone dele

Ela – Desculpa. Desculpa vai, eu não devia ter falado aquilo. É que eu tô nervosa mesmo, não é culpa sua. Problemas lá no emprego...

Ele – Suas tpms tão cada vez mais brutais.

Pausa longa

Ela – Meu chefe tentou me agarrar hoje.

Ele – Como é que é?!

Blecaute
Som de sirenes, trilha

A trilha continua. Ela está com o fone nos ouvidos, Ele entra, imundo, senta na poltrona

Ela – Idiota. (pausa longa) Às vezes você age como se fosse um débil-mental. Cê achou mesmo que ia conseguir entrar lá no escritório da firma, quebrar a cara daquele filho da puta e sair assoviando feito um personagem do Tarantino?

Ele – Personagens do Tarantino têm sempre um berro carregado em punho, eu não tinha nada disso.

Ela – Ainda bem, se te pegam armado, ao invés de dez dias, cê ia ter pego dez anos de cana.

Pausa Longa

Ela – Eles te bateram? Vou te dar um banho, esfregar suas costas, depois faço umas panquecas pra gente, ainda tem uma garrafa de vinho e um pouco de conhaque, vamô beber, amanhã a gente compra um jornal e procura alguma coisa nos classificados, vêm. (puxa-o pela mão e vão saindo, ela volta e despluga o cabo do fone de ouvido do som, um soul começa a tocar)


Blecaute

Nenhum comentário:

Postar um comentário