Ele entra
na casa em trajes sociais, troca de roupa, coloca um disco na vitrola e uns
fones de ouvido. Um jazz começa a tocar, ele acende uma ponta. Viaja.
Ela
entra, fica um tempo sacando o cara viajar. Tira os fones do ouvido dele.
Ela – Cê num falou que ia
arrumar um emprego e fazer uma faxina nesse chiqueiro? Porra, tô cansada meu,
cansada de chegar em casa todo dia e te encontrar aí folgadão, chapadão. Não
agüento mais.
Ele – Num tive tempo pra
faxina.
Ela – Ah, sei como é, cê
tinha muitos baseados pra fumar.
Ele – Cê tá sendo injusta.
Ela – Injusta é o caralho!
Qualquer um pode arrumar um emprego, porra!
Ele – Eu tô ligado.
Ela – Cê tá ligado merda
nenhuma, cê é o mó folgado, cara. Mas aí, eu num sou otária, num vou ficar
sustentando vagabundo.
Ele – Que merda cê tá
falando? Desde quando eu sou sustentado por você?
Ela – Desde quando cê
perdeu o emprego.
Ele – E a grana do acerto
e o ultimo salário, e as cinco parcelas do seguro desemprego?
Ela – Cadê?
Ele – Foi pro aluguel, baby,
pras contas de energia, pras nossas pizzas, pras nossas bebidas, praquele
exemplar caro da História da Filosofia que cê comprou. Além do mais, até a
semana passada cê não tinha emprego algum.
Ela – Vai ficar jogando na
cara? Eu sabia, tem sempre algo em troca, ninguém faz nada de graça.
Ele – Qual o problema,
baby? Num tô te entendendo.
Pausa
longa
Ela – Você! Você é o
problema! Eu vou embora, você que se foda.
Ele – Pra onde?
Ela – Não é da sua conta.
Ele – Caralho, era só o
que faltava. Fazia tempo que cê num pirava.
Ela – Tô há tempo demais
aturando suas mentiras.
Ele – Você tá maluca.
Ela – Ah, eu? Eu tô
maluca, ou você disse que ia arrumar um emprego e dar uma geral nesse
chiqueiro?
Ele – Já te falei, não
tive tempo pra faxina.
Ela – (histérica) E o emprego?!
Ele – Eu consegui o
emprego. (coloca os fones no ouvido, o
mesmo jazz do início da cena)
Pausa
Longa
Ela tira
o fone dele
Ela – Desculpa. Desculpa
vai, eu não devia ter falado aquilo. É que eu tô nervosa mesmo, não é culpa
sua. Problemas lá no emprego...
Ele – Suas tpms tão cada
vez mais brutais.
Pausa
longa
Ela – Meu chefe tentou me
agarrar hoje.
Ele – Como é que é?!
Blecaute
Som de
sirenes, trilha
A trilha
continua. Ela está com o fone nos ouvidos, Ele entra, imundo, senta na poltrona
Ela – Idiota. (pausa longa) Às vezes você age como se
fosse um débil-mental. Cê achou mesmo que ia conseguir entrar lá no escritório
da firma, quebrar a cara daquele filho da puta e sair assoviando feito um
personagem do Tarantino?
Ele – Personagens do
Tarantino têm sempre um berro carregado em punho, eu não tinha nada disso.
Ela – Ainda bem, se te
pegam armado, ao invés de dez dias, cê ia ter pego dez anos de cana.
Pausa
Longa
Ela – Eles te bateram? Vou
te dar um banho, esfregar suas costas, depois faço umas panquecas pra gente,
ainda tem uma garrafa de vinho e um pouco de conhaque, vamô beber, amanhã a
gente compra um jornal e procura alguma coisa nos classificados, vêm. (puxa-o pela mão e vão saindo, ela volta e
despluga o cabo do fone de ouvido do som, um soul começa a tocar)
Blecaute
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