domingo, 12 de janeiro de 2014

Um pouco.

- Como é que você lembra de mim?
Ela perguntou, sorrindo.
- Que espécie de pergunta é essa?
- É que eu mudei, como é que cê lembra de mim, daquele tempo?
- Uma menina com All Stars coloridos que sorria demais.
Ela num tava de All Star, seu sorriso era o mesmo.
- Sabe como eu lembro de você, daquele tempo?
Eu num queria saber, mas ela falou assim mesmo, falou pra caralho.
- Um cara sempre tão tranquilo, mesmo quando bêbado de pinga com refri...
Ela nunca soube a respeito da tempestade que sempre carreguei no peito que entre um gole e outro trovejava aqui dentro, talvez por isso continuava falando desenfreadamente.
- ...um cara que sempre viveu com tão pouco...
Nunca precisei de muito. Nem por isso tive tudo. Alguns livros, uns CDs piratas, um violão que não afinava a mizinha, bem pouco mesmo. Nisso ela tinha razão, mas também mudei um bocado. Hoje tenho mais livros e mais CDs e uma bike, uns filmes também piratas, uma gaita desafinada, o violão é outro, mas a mizinha também num afina direito. Um cara tranquilo vivendo com tão pouco, ela prosseguia falando. 
- ...e que escrevia poemas lindos de amor, te via como um romântico.
Vai ver eu sou mesmo, um babaca romântico e sem ambição.
- ...e isso é lindo, você é uma raridade.
Porra baby, e tímido pra caralho, é melhor a gente mudar de assunto, ainda tem um bocado de vinho e o tempo tá instável, é melhor num provocar, pode chover e eu sei, cê ainda é do tipo que gosta de brincar na chuva, pular poças d’água.
- ...eu mudei, você parece o mesmo de anos atrás.
Ela tinha lá seus motivos pra pensar isso. Primeiro foi uns pingos, finos, outros vieram na sequência, o céu fechou, dei uns goles no vinho pensando numa canção otimista do Raul, enquanto ela tirava os sapatos - uma sandália de couro do tipo hippie - me puxou pela mão “Vem”. Fui, eu precisava de muito, ela podia me dar um pouco.

Do livro: Num dá pra apagar os riscos dum disco furado

Um comentário:

  1. Gostei cara.. parabéns. Me identifiquei UM POUCO com esse texto, acho mesmo que os românticos nunca mudam... abraço

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