Depois de seis anos juntos, dezesseis testes de farmácia mal sucedidos, uma média de 36 doses de pílula do dia seguinte, dois boletins de ocorrência, um gato atropelado e um dog com leishmaniose e, é claro, mais uma porção de pequenas coisas ruins e ela resolve me deixar. É que ela tava querendo um filho, saca? Ela dizia que faltava alguma coisa, que tava na hora da gente passar pra uma outra fase das nossas vidas. Eu tentava persuadi-la, sou maconheiro, às vezes fico lesadão, não daria certo. Vai ser bom pra gente, ela insistia, um nenezinho. Além da bebida é claro, o que mais me prejudica e me desqualifica pra tal função. A gente tá bem agora, mas falta alguma coisa, com um nenezinho nosso a gente vai ser feliz de verdade. Eu sou escritor, escrevo sobre coisas tristes, coisas quebradas, vendo livro em país de semianalfabeto em tempos de crise. Não posso sustentar um nenezinho e também não pretendo mudar de ramo. Daí ela começou a dizer que eu tinha medo. É claro que eu tenho, porra. Um nenezinho, caralho?! Que eu ia deixar passar essa oportunidade sublime que é gerar um filho. O mundo não é bom, seria um crime contra minha consciência deixar uma coisa dessas acontecer. Que eu ia morrer sozinho. Pra mim isso não era novidade alguma. E que eu era um covardão, que ela não ia ficar com um covardão. Fez as malas e foi embora.
Bem, um bocado magoado, segui minha vida torta, enchendo a cara, transando fumo e putas de procedência duvidosa, angariando encrencas na madruga e escrevendo merda. Nunca mais a vi, parece que ela tá morando no Paraná, Pará ou Paraíba, não tenho certeza. Foi o que ouvi dizer.
Às vezes me pego pensando que ela já deve ter conseguido um nenezinho. Desejo-lhe sorte e toda a felicidade do mundo. Mas às vezes também desejo que ela se foda toda e volte com a cara quebrada, o rabo entre as pernas, um filho nos braços e outro no bucho. Daí eu vou beijar sua boca, abrir a porta aqui de casa e adotar sua prole bastarda, aprender a trocar fraldas e a falar com aquele tom afetado e patético que costuma-se usar com filhotes. Talvez eu até deixe a maconha, a bebida e comece a me dedicar à literatura infantil. Sinto tanto sua falta.
Tu é foda cara. Que essa falta já tenha, ou se ainda não, que seja preenchida.
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